quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Madeira em arte



Procurando saber algo mais sobre os encaixes de madeiras por meio dos nossos queridos marceneiros, encontrei por meio do blog do Tomazelli que se diz um apaixonado por madeira de verdade e marcenaria tradicional, um interessante post em que relata por meio de um artigo o uso da espiga e fura para obter a união das peças de madeira.

Espigas e seu uso
Texto adaptado por Érica de Vargas


Esse artigo vai para aqueles que gostam de marcenaria. É um pequeno artigo cujo conteúdo é muito comum de ser encontrado em livros e revistas em inglês. Mas, como toda informação sobre marcenaria, é algo raramente encontrado em português.
A espiga e fura é um dos métodos mais usados para unir peças de madeira, é também um dos mais antigos, sendo encontrado em sarcófagos do Egito. Primeiro vamos ver a nomenclatura das partes do encaixe. Como não tenho nenhuma literatura em português, traduzi livremente os termos usados em inglês.


A regra básica para as medidas de uma espiga é de que a espessura dela deve ter em torno de um terço da espessura da peça da fura. Se a espiga for mais fina, ficará fraca; enquanto que se a espiga for mais grossa, as paredes laterais da fura ficarão fracas. Na prática é uma questão de escolher a ferramenta que mais se aproxime dessa medida de um terço: caso a fura seja feita a mão, o formão com largura mais próxima; caso seja feita a máquina, a fresa ou broca mais próxima.
O comprimento da espiga tem uma regra básica de ser pelo menos cinco vezes a espessura da espiga. Na prática, quanto mais comprida a espiga mais resistência dará. Então, caso a espiga não seja vazada, o ideal é fazer a fura o mais profunda possível, deixando ainda uma sobra razoável de madeira do lado oposto a fura, para que não fique muito fraca e quebre facilmente.
espigas

Já a altura da espiga é um pouco mais complicado. Geralmente ela não deve ser muito maior do que o comprimento, pois caso fosse iria dar pouca resistência contra flexão. Uma alternativa caso a espiga seja muito alta, é dividi-la em duas ou mais. Ou fazer uma espigahaunched, com a espiga central comprida, e os haunchs em cima e em baixo, que darão uma maior resistência contra torção, conforme a figura 2.
Lembrando que essas regras são um ponto de partida, não uma verdade absoluta. Cabe ao marceneiro decidir as medidas finais. Alguns projetos sofrem mais forças em um sentido do que em outro, assim o marceneiro pode e deve estudar seu projeto, decidindo as medidas ideais da espiga para dar mais resistência nesse ou naquele sentido.
Agora a nomenclatura da fura. Veja que os nomes mudam da espiga para a fura, a altura da espiga equivale ao comprimento da fura, enquanto a espessura da espiga equivale à largura da fura.
desenho de fura
Figura 3: A fura


Uma espiga deve entrar justa no comprimento da fura, não em sua largura. Se entrar apertada na largura da fura, ela pode abrir os veios da madeira. Já no comprimento da fura, a espiga encontra a madeira da fura de topo, como está marcado na figura 3. Como a espiga encontra a madeira de topo, não há perigo de abrir ou rachar a peça da fura. Uma maneira de verificar se a espiga está entrando macia na largura é inclinando a espiga, conforme a figura 4.
espiga e fura
Figura 4: Teste para verificar se a espessura da espiga está correta


A espiga deve entrar facilmente na fura dessa forma, apenas com a mão e sem ser necessário forçar. Porém não deve entrar com folga, deve entrar macia, facilmente, mas deve haver uma sensação de leve atrito. Já quando for encaixar a espiga totalmente, ela deve entrar bem justa, sendo necessário força para entrar. Se entrar facilmente, apenas com a mão, o encaixe está folgado.
O encaixe por si só já oferece resistência contra compressão, cisalhamento, flexão e torção. A única força contra a qual ele não oferece resistência é a tração, ou seja, ao ato de se separar o encaixe. Porém, há variantes do encaixe que oferecem resistência contra tração, além disso, a cola usada hoje em dia também oferece uma ótima resistência contra tração.

FORÇAS QUE ATUAM SOBRE O ENCAIXE
Vamos ver um pouco sobre essas forças, ter uma noção geral das forças é importante para poder entender alguns tipos de encaixes.
compressão
Figura 5: Compressão
Quem faz resistência contra a compressão são as abas da espiga.
cisalhamento
Figura 6: Cisalhamento
Quem oferece resistência ao cisalhamento são as faces da espiga. Quanto mais comprida a espiga, maior a resistência.
flexao
Figura 7: Flexão



A flexão é como o nome indica um movimento parecido com o flexionar de um braço. É um movimento que tende a tirar as duas peças do esquadro. Quanto maior o comprimento da espiga, maior a resistência contra a flexão.
Na verdade, o que mais conta para dar resistência é a relação entre altura e comprimento da espiga. Se a espiga for muito alta e pouco comprida, ela não irá dar resistência contra flexão. Por isso quando o trabalho exige uma espiga muito alta, é comum vermos duas espigas em vez de apenas uma, como já foi comentado antes (figura 2).
torcao
Figura 8: Torção
A torção é um movimento de rotação da peça da espiga no seu eixo longitudinal. Para resistir à torção, quanto mais alta a espiga melhor.
A última força é a tração. Em uma espiga simples, somente a cola oferece resistência contra tração. Felizmente na maioria dos casos, por conta da disposição dos encaixes, a força de tração vai ser pouca. Além disso, algumas variações oferecem resistência mecânica contra a tração, como a espiga com cunha, espiga com cavilha, etc.

tracao
Figura 9: Tração

TIPOS DE ESPIGA MAIS USADOS NA MARCENARIA

Espiga e fura cega (Blind mortise and tenon)
Blind mortise and tenon
Figura 10: Espiga e fura cega
É a mais comum das espigas, onde a fura não atravessa para o outro lado, por isso chamada de espiga cega. Também é chamada simplesmente de espiga.

Espiga haunched (Haunched mortise and tenon)

Esse é um tipo de espiga usado sempre na borda das peças. Se fôssemos fazer uma espiga normal no canto da peça, ficaria uma quantidade pequena de madeira no topo da peça da fura. Com pouca madeira no topo (Fig. 11) , qualquer esforço faria rachar o topo da peça da fura.


Uma alternativa é recuar a espiga, deixando um pouco mais de madeira no topo da peça da fura (Fig. 12). Porém, abaixando a espiga diminuímos sua altura e diminuímos junto a resistência contra torção.
Uma alternativa melhor nesses casos é a espiga haunched (Fig. 13). Essa espiga ainda mantém uma boa quantidade de madeira no topo da peça da fura, para evitar rachar, e incorpora um pequeno segmento, o haunch, até a borda de cima. Esse segmento extra vai conferir mais resistência contra torção.
haunched mortise and tenon
Figura 13: Espiga haunched
Esse tipo de espiga também é muito usado na construção de painéis com moldura, onde as peças tem um rasgo interno para encaixar o painel (Fig. 14). Assim podemos fazer o rasgo para o painel de fora a fora nas peças, já que a espiga irá tampar esse rasgo.
haunched mortise and tenon in frame and panel
Outra variação ainda é essa, quando não podemos ou não queremos que o segmento (haunch) apareça no topo da peça. Em fez de deixar o seguimento reto, deixamos ele em ângulo (Fig. 15), assim por fora não irá aparecer nada. Esse encaixe oferece um pouco menos de resistência contra torção.
angled haunched mortise and tenon

Espiga e fura aberta (open mortise and tenon)

É uma espiga usada no canto da peça também. A vantagem é que ela pode ser feita facilmente na serra de bancada. Por ser totalmente aberta, não oferece resistência contra flexão e deve ser usada com cautela, apenas em locais onde não haverá esforços de flexão. Uma cadeira, por exemplo, sofre grande esforço de flexão quando encostamos no espaldar.
Para essa espiga aberta ter resistência contra flexão, podemos colocar uma ou duas cavilhas, fazendo uma espiga aberta com reforço de cavilhas, como vamos ver mais abaixo na espiga com reforço de cavilha.
open mortise and tenon
Espiga e fura vazada (through mortise and tenon)

É a mesma coisa de uma espiga cega, porém a espiga atravessa a peça totalmente. A vantagem é que a espiga é mais comprida, oferecendo maior resistência.
through mortise and tenon
Figura 17: Espiga e fura vazada
Espiga e fura vazada com cunha (wedged through mortise and tenon)

É uma variação da espiga vazada. A diferença é que a parte de fora da fura é inclinada, um pouco mais aberta, e a espiga recebe dois cortes por onde serão inseridas duas cunhas.
wedged through mortise and tenon

A figura 19 mostra o detalhe de como a fura é levemente inclinada na parte de fora. Assim quando as cunhas forem inseridas, irão fazer com que a espiga abra, formando uma espécie de rabo de andorinha dentro da fura. Os dois furos na espiga, no final dos cortes, servem para que a espiga não rache quando inserirmos as cunhas.
wedged through mortise and tenon
Figura 19: Espiga e fura vazada com cunha: detalhe interno do encaixe

É um encaixe muito resistente. Era muito usado antigamente, pois as colas não tinham tanta resistência quanto as colas de hoje em dia. Além disso, essa espiga era muito usada em encaixes externos, pois não havia cola resistente à água. Eu vi muitas espigas assim em móveis chineses, alguns realmente antigos, com mais de cem anos, e outros que são reproduções de móveis antigos.
Usando cunhas da mesma madeira fica um encaixe discreto, onde quase não irá aparecer as cunhas. Já usando madeiras em uma cor contrastante, o encaixe adquire um tom decorativo também.


Espiga e fura com cavilha (pegged or pinned mortise and tenon)

É uma espiga comum, pode ser tanto cega quando vazada, onde é inserida uma cavilha que irá manter o encaixe firme, mesmo que a cola venha a falhar ou que não seja usada cola. Também é um encaixe muito usado antigamente, inclusive em obras externas onde a cola de antigamente não oferecia nenhuma resistência contra água.
pegged or pinned mortise and tenon
Há duas formas de se fazer:

Primeiramente colar normalmente, aplicando cola e grampos para unir o encaixe. Depois que estiver já prensado nos grampos, fazemos um furo que passe pela espiga e inserimos a cavilha.
Outra forma é fazer o furo um pouco deslocado na espiga, conforme a figura 22. Fazendo o furo deslocado assim, não precisamos usar grampos, pois quando formos inserir a cavilha ela irá puxar a espiga para dentro, mantendo o encaixe firme no local.

Espiga e fura vazada com dente (tusk mortise and tenon)

É uma espiga que atravessa totalmente a fura e sai um pedaço ainda para fora. Nesse pedaço que sai para fora há uma outra fura por onde é introduzida uma cunha no formato de dente de leão, daí vem o seu nome em inglês: tusk tenon.
tusk mortise and tenon

É um encaixe muito usado em pés de mesa, pois como não usa cola, pode ser facilmente separado. Além disso, é um encaixe muito forte, que pode ser reapertado apenas batendo o dente mais para dentro.  Depois de pronto e montado, é um encaixe que oferece uma bela decoração ao móvel (Fig. 24). Como a espiga fica bem para fora do encaixe, nem sempre pode ser usado.
tusk mortise and tenon

Na confecção do encaixe há um pequeno segredo (Fig. 25), o rasgo inclinado por onde irá ser inserido o dente deve ficar um pouco deslocado para dentro da fura. Assim quando inserirmos o dente ele irá tracionar a espiga, a fazendoela ficar bem firme no local.
tusk mortise and tenon

Espigas gêmeas (twins mortise and tenon)

As espigas gêmeas ou espigas duplas são mais usadas em peças largas, quando a união é face com face. Também são sempre usadas no meio da peça, pois se fosse usadas no canto iriam ser um encaixe endentado.
Podem ser vazadas como na figura 26 ou cegas. Se forem vazadas ainda podem receber uma cunha para deixar o encaixe mais justo.
twins mortise and tenon
                                                                                     Figura 26; Espigas gêmeas


REFERÊNCIAS

Artigo: Handbook of joinery (The Art of Woodworking). Editor: Time-Life Books, 1993. IBSN 0-8094-9942-8 e 0-8094-9942-X. 144 páginas.

Blog: Tomazelli Woodwoorking. Postado por Tomazelli.

2 comentários:

  1. Boa tarde,
    Seu artigo esta me ajudando muito com meu tcc onde planejo cria um sofá feito apenas com encaixes
    Obrigado pelo conteúdo
    Abraço

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